quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Entre o giz e os cacetetes



Enquanto a polícia os espanca – há décadas? há séculos? – hoje comemoramos no Brasil, o dia dos nossos professores. Na semana passada, os tais foram emparedados pela cavalaria, pela tropa de choque da capital fluminense, como tantas vezes já o foram em São Paulo e em todas as capitais brasileiras. O elogio do professor, no Brasil, é uma farsa política asquerosa. Deputados, prefeitos, governadores e presidentes da República acumulam em suas biografias as mais grandiosas manifestações a respeito da importância social, moral e cívica da profissão. Fala-se na centralidade da educação até para o desenvolvimento, para a soberania. E blá-blá-blá... Nos últimos tempos, até a palavrinha da moda marqueteira – "estratégico"! – entrou para o vocabulário da retórica Paraguaçu: em Sucupira, segundo a cascata corrente, "a educação é estratégica para o país", "o professor é estratégico para o desenvolvimento nacional". "Argh", como diz a amiga tradutora Denise Bottman.

Enquanto as atividades "estratégicas" se afirmam pelas publicidades governamentais, a educação, o professor e os educadores no Brasil continuam largados às traças. Ou melhor, aos cassetetes. Mas por que isso acontece, se a educação é tão consensualmente importante?

Bem, seria o caso de convocarmos aí a opinião analítica de alguns especialistas (Ultrapop é coluna de opinião, mas isso não nos autoriza a "chutes" sobre problemas tão antigos e arraigados). Antes de convocá-los, entretanto, ousamos arriscar um palpite: enquanto o legislativo brasileiro não tiver a coragem de compor um plano emergencial para a educação no Brasil, com liberdades orçamentárias, com recursos expressivos e planejamento global, enquanto não sairmos dessa lenga-lenga bonitinha sobre a beleza do ensino e da profissão dos professores – ao mesmo tempo em que nossa polícia os espanca, sob as ordens de governantes que os enaltecem "da boca para fora"... melhor esquecer. A contradição evidente, nesse caso, não é fruto do acaso: é cinismo mesmo. Ou, como se diz no boteco da esquina, conversa pra boi dormir.

Na mesma semana em que os professores cariocas se reencontraram com o gás lacrimogênio, o escritor Luiz Ruffato foi à "Buchmesse" de Frankfurt, na Alemanha, e falou o que devia ter falado: "O sistema de ensino [no Brasil] vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais – ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples". Nacionalistas mequetrefes apressaram-se em condenar Rufatto por um crime suposto de "lesa pátria", isto é, "falar mal" do Brasil no estrangeiro. Felizmente, esse tipo de provincianismo compadre está (temporariamente) fora de moda e a imensa maioria da população está com ele.

Assim, hoje é dia de lembrar dos nossos professores amados. Muitos deles são heróis. Oxalá isso mude.

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